terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

PSICOSE DE FREUD A LACAN



PSICOSE




DE FREUD A LACAN: UMA ANÁLISE SOBRE A CLÍNICA DA PSICOSE


RESUMO

Este trabalho se refere ao estudo sobre a clínica da psicose. Tendo como referência principal um delineamento nos estudos de Sigmund Freud a Jacques Lacan, sobre o aparelho psíquico e suas singularidades correlacionadas com as estruturas psíquicas, em destaque: a psicose. Trata-se de uma concepção de Sigmund Freud a Jacques Lacan. Em destaque procuramos enfatizar o conceito de psicose e como funciona esta estrutura relacionada aos três registros do aparelho psíquico circunscritos por Jacques Lacan. Para o desenvolvimento deste, nos apoiamos nos conceitos fundamentais de Freud e Lacan, além de outros autores que colaboraram para a continuidade de seus estudos. Ao finalizar nosso trabalho apresentamos algumas considerações primordiais sobre o papel do analista e a condução da Psicanálise frente à clínica da psicose.
Palavras Chaves: Clínica da Psicose; Psicanálise; Sigmund Freud; Jacques Lacan.

ABSTRACT
This work refers to the study on the clinic of the psychosis. Taking delineation as a principal reference in the studies of Sigmund Freud to Jacques Lacan, about the psychological appliance and his peculiarities correlated with the psychological structures, in distinction: the psychosis. It the question is a conception of Sigmund Freud to Jacques Lacan. In distinction we try to emphasize the concept of psychosis and since there works this structure made a list to three registers of the psychological appliance when they were circumscribed by Jacques Lacan. For the development of this, we rest on the basic concepts of Freud and Lacan, besides other authors who collaborated for the continuity of his studies. While finishing our work we present some primordial considerations on the paper of the analyst and the driving of the Psychoanalysis in front of the clinic of the psychosis.
Keywords: Clinic of the Psychosis; Psychoanalysis; Sigmund Freud; Jacques Lacan.


INTRODUÇÃO
A clínica da Psicose é um trabalho ainda polêmico no campo da Saúde Mental. Desde os fundamentos iniciais da Psicanálise, Freud em seus artigos descreve a questão das psicoses, situando entre as demais estruturas clínicas, e relacionando-as com o funcionamento do conceito de mecanismo de defesa criada por ele mesmo. Lacan, tempos depois, vem reconstituir essa concepção, formulando um novo conceito sobre a estruturação da psicose.
A idéia deste trabalho partiu de algumas experiências com casos clínicos de psicose. Tais experiências colaboraram para um novo ver e um novo conhecer deste universo psíquico aparentemente vago, furado, que é o universo do psicótico, e que ao mesmo tempo mostra-se um universo recheado de conteúdos, embora não simbolizáveis, mas peças soltas que constituem a realidade de um humano que está ali e que precisa ser ouvido como um outro, mesmo que sua fala seja despedaçada a nosso ver e à nossa escuta.
No entanto, surgiu o desejo de apresentar através deste trabalho científico, como é importante a escuta de um analista, sua paciência, o processo de transferência do afeto, independente da demanda a lhe aparece na clínica, e que nada é previsível para a Psicanálise, principalmente quando se trata da clínica das Psicoses.

A psicose se remete a um mundo complexo, o qual não encontra abertura para penetrarmos a não ser através de um mergulho na sua própria realidade. Realidade esta que apavora, retrai e implica ao receio de aproximarmos. Mas como qualquer outro profissional que encara os desafios que aparecem na clínica. Eu me proponho junto a ajuda de grandes teóricos desvencilhar os empecilhos que subtraímos desta impetuosa clínica.
Neste trabalho temos a presença de alguns textos fundamentais da teoria freudiana, descritos pelo próprio Sigmund Freud, como iniciante e criador desta ilustre categoria a que nos baseamos: a Psicanálise. E seguimos com base maior nos conceitos fundamentados por Jacques Lacan sob seu próprio texto.

Psicose: conceitos e fundamentos teóricos
As primeiras publicações de Freud onde se encontra o termo psicose foram em seu texto “As neuropsicoses de defesa” (1894), depois “Neurose e Psicose”. Nestes textos Freud demarca a distinção entre neurose e psicose, e identifica que o que determina o destino neurótico e psicótico é a idéia de defesa estabelecida na estrutura do sujeito. Se a defesa se posiciona contra um fragmento do id, ocorrendo daí uma falha parcial tem-se a neurose. Mas se a defesa se dirige contra um fragmento da realidade e se ao sujeitá-la obtêm-se sucesso teremos a psicose, ou seja, dada pela ausência da inscrição da castração, inexistência do sujeito.

Segundo kaufmann (1996), Freud diz que, na neurose, “o afrouxamento da relação com a realidade” deve ser situado como reação contra o recalcamento. E na psicose, a “perda da realidade” é primária, “ela é o desligamento parcial devendo ser de longe o mais freqüente e servir de prelúdio ao desligamento total” (KAUFMANN, Ibid, p. 368). Portanto para Freud (1894), se a defesa se posiciona contra um fragmento do id, ocorrendo daí uma falha parcial tem-se a neurose. Mas se a defesa se dirige contra um fragmento da realidade e se ao sujeitá-la obtêm-se sucesso teremos a psicose, ou seja, dada pela ausência da inscrição da castração, inexistência do sujeito.

A concepção freudiana traz a psicose determinada por uma espécie de mecanismo responsável por dois tipos clínicos: a paranóia e a esquizofrenia. Trata-se da inibição de investimento da libido nos objetos. A esquizofrenia produzida acerca de um singelo recuo, ao nível do auto-erotismo. E a paranóia com uma interrupção bem acentuada ao nível do narcisismo.

Lacan, em sua tese de doutorado em Medicina “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade”, afirma que a psicose paranóica e personalidade não estabelecem nenhuma relação, segundo Souza (1991). Tempos mais tarde Lacan volta a dizer que ambas são a mesma coisa, e surge com a idéia contrária a teoria freudiana sobre a psicose, no que se refere a ela como ausência de inscrição da castração, confirma Velozo (2001b).

A psicose na obra lacaniana, Lacan afirma “a existência de uma descontinuidade de origem entre a neurose e a psicose, suposta a partir da presença do operador denominado Nome-do-Pai” (LACAN, 1955-56, p.585). Que segundo o autor, é quem limita e ordena o funcionamento de significantes (ausente de qualquer lei) no processo de estruturação do sujeito pela linguagem, ou seja, constitui a lei do

significante. Num segundo momento, esta concepção deixa de se basear na interdição da ausência ou presença do Nome-do-Pai, e passa a atribui à psicose os mesmos elementos que na neurose, sendo que a diferença está na quebra no interior dessa estrutura comum.

Na psicose a significação surge no real, fora do registro do sentido, não foi anteriormente simbolizada, deixando o psicótico numa condição de estranheza e perplexidade. O sujeito não se encontra capaz de fazer valer as leis da simbolização. Ele é movido pela certeza do seu discurso interior. Lacet (2005) completa a idéia ressaltando que, na psicose não ocorre o acesso ao simbólico, o significante do Nome-do-Pai não se inscreve como falta simbólica no Outro, de modo que deixa de intervir como corte na relação imaginária do sujeito com o outro. É nesse funcionamento que o psicótico se fixa numa posição de objeto “falta-a-ser” da mãe e por outro lado, deixando-o fora do gozo fálico. Enquanto o neurótico é caracterizado pela dúvida porque denota uma divisão do sujeito. O psicótico é identificado por sua certeza delirante, que apresenta um distúrbio na linguagem.
Segundo Jorge (2005, p.83), o simbólico é o campo da linguagem através do qual “o sujeito faz face, por um lado, ao real traumático, e, por outro, reconstitui incessantemente seu imaginário que está submetido à invasão do real.” Segundo Veloso (2001a), Lacan nos estudos da psicose após a década de 50, destaca o segundo momento do Édipo, ao qual se organizam os elementos: Nome-do-Pai e Metáfora paterna, onde instaura assim o processo de simbolização. De acordo com Souza (1991), o Nome-do-Pai, define a estrutura do sujeito através de seu assujeitamento à lei simbólica.

A metáfora paterna tem como agente o pai, este significante simbólico, com sua lei vai interditar e vetar o gozo absoluto do sujeito impossibilitando a plenitude, ao tempo que liga o sujeito à vida, e a vida do sujeito falante é a sujeição à lei. Tal submissão à lei promove o gozo fálico e cria o desejo, é onde o sujeito se coloca numa busca incessante pela completude impossível. O sujeito entra num estardalhaço por sentimentos de perdição e errância. Lacan vai chamar isso de processo de foraclusão do Nome-do-Pai, onde a lei é chamada, mas não responde. Segundo Souza (1991), encontramos, portanto, manifestações na psicose como: neologismos, frases quebradas, palavras soltas, o que significa a quebra da cadeia simbólica de significantes.

O sujeito psicótico tem sua realidade psíquica implicada na articulação do Imaginário com os outros dois registros dados por Lacan: Real e Simbólico, ambos são elos responsáveis pela constituição do sujeito. De acordo com Souza (1991), se caracteriza pela fase do espelho, apresentada por Lacan. Confirma Jorge (2005), o furo no imaginário se refere ao Real e o Simbólico é o que tenta preencher o furo no imaginário falante. Jorge (2005, p.83), completa descrevendo que o Real “é o que ex-siste (o que está fora) à consistência do imaginário (...) aquilo que é impossível de ser simbolizado”, ou seja, o oposto do imaginário. O Real concerne ao gozo no que o gozo tem de impossível, ao para-além do princípio do prazer. Sustentado por uma angústia a preço do trabalho forçado de leitura e decifração do mundo reduzido de signos, uma angústia sustentada a preço do delírio.
O analista frente à clínica da psicose

Trabalhar com a clínica da psicose como foi dito anteriormente é um desafio para o analista. Mas para Lacan a psicose é aquilo diante do que um analista não deve, em caso algum, recuar. E Quinet (2002) completa a idéia, onde “diante de uma psicose já desencadeada, não haveria por que o analista não acolher a demanda de análise desse sujeito (Id, Ibid, p.22)”. De acordo com Veloso (2001b), um psicótico não deixa de ser psicótico, do mesmo modo que um neurótico não deixa de ser neurótico, e um perverso também não perde as características de sua base estrutural de defesa psíquica. Segundo Quinet (2002) “o analista não pode prometer inserir o psicótico na norma fálica” (Id, Ibid, p.22). Tal significante fálico é regido pelo Édipo e pelo Complexo de castração, o qual a foraclusão do Nome-do-Pai exclui o sujeito dessa ordem.
A escuta flutuante do analista

“O inconsciente é estruturado como uma linguagem”, segundo Jorge (2005, p.85), foi assim que Lacan afirmou denominando a primazia do significante, “o inconsciente é, em seu fundo, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem (Id, Ibid, p. 82)”. Quando falamos de psicose, estamos falando da foraclusão, elemento negado que retoma ao real, fora do simbólico. Portanto, podemos dizer que o sujeito psicótico, está num lugar de ex-sistência, ao que se refere estar fora, e que também não depende do saber e nem do sentido para existir. No entanto, Mrech (2005) detalha que, “Lacan constata que a linguagem e a fala não dão conta de dizer o real do sujeito” (MRECH, 2005, p.152). Velozo (2001a), portanto conclui que, se dentro da teoria freudiana a questão posta pela psicose é a da existência de um sujeito em função de sua produção discursiva. Lacan, em sua teoria, vem permitir a visualização das características dessa produção, ao configurar a psicose como um discurso que tende a ignorar o impossível e seus desdobramentos.

Por que a Psicanálise na clínica da Psicose?

Veloso (2001b) precisa que, o dispositivo analítico é o lugar mais adequado para acolher as diferenças, as singularidades, a diversidade dos modos de ser ou, ainda, a diversidade com relação ao real. De modo, acolher o modo próprio de sustentação da psicose na existência, em sua diferença. É através da escuta, ou seja, “do ouvir o que é de mais exclusivo daquele ser também é uma forma de minimizar o isolamento de que a psicose padece e que é resultado de sua forma de inserção na existência” (Id, Ibid, p.171). Seguindo ao passo que Lacan, em seu livro Seminário 3, propõe precisando que “um delírio deve ser julgado em primeiro lugar como um campo de significação que organizou um certo significante” (LACAN, 1955-56,p. 141). É nesse sentido, que a conduta analítica para com a clínica da psicose tem como regra essencial deixar que o sujeito deslanche através de sua fala, aquilo que, de ordem do registro do real, lhe vem a tona em forma alucinatória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar com a Psicose em sua diversidade, em sua singularidade, em sua especificidade é penetrar num universo proposto de complexidades em sua categoria específica enquanto estrutura psíquica. Deste modo compreendemos que o trabalho clínico, de certo modo, depende da conduta direcionada a queixa, a escuta oferecida focada no que diz respeito ao sentido no que o paciente dá ao seu próprio discurso, mesmo que este discurso aparenta um discurso sem sentido. “O próprio doente sublinha que a palavra tem peso em si mesmo” (LACAN, 1955-56, p.43). Portanto, a realidade que tratamos na clínica da psicose não uma realidade material, mas uma realidade psíquica criada pelo próprio sujeito que está ali e que sofre por ser um ser passível do gozo do Outro. Trata-se de uma realidade abrangida pelo conjunto da rede de linguagem do sujeito.
De acordo com Veloso (2001b), Freud reconhece as produções da psicose como uma modalidade de sustentação da existência, ou seja, “uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução”. E Lacan reafirma esta concepção ao dizer que a metáfora delirante seria uma “solução elegante” (LACAN, 1953-56, p.361 apud VELOSO, 2001b) para ordenar o caos significante. Portanto entendemos que oferecer a transferência à clínica da psicose, fazer uso da interpretação, não é se direcionar a tratar o real, mas confere em possibilitar um encontro da psicose com uma metáfora. É nesse sentido que nos apoiamos em Lacan (1955-56) quando relata a formulação de Pascal que confere a necessidade da loucura, pois “sem dúvida há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo o mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura.” (Id, Ibid, p.26)
Se para Lacan, toda análise é didática quando levada o seu término, este trabalho também passa a representar um instrumento desse saber. Portanto, acredito que vem colaborar à clínica da psicose, considerando a sua especificidade e a importância da Psicanálise para lidar com toda complexidade que a comporta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHEMANNA, Dicionário de Psicanálise Larousse, Porto alegre: Arts Médicas Ed., 1995.
FREUD, Sigmund. As Neuropsicoses de defesa, in vol., Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio, 1977.
JORGE, Marco Antonio Coutinho. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan, v.I: as bases conceituais – 4ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de psicanálise – O legado de freud a Lacan. Trad. Vera Ribeiro/ Maria Luiza Borges – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1996.
LACAN, Jacques. O semináriode Jacques Lacan, livro 3: As psicoses, 1955-1956/ Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.


Nenhum comentário: